Universo de Memórias

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Um breve balanço de todos estes anos

Mãe e minha filha

Imaginem como é alguém perder sua plena autonomia, sentir-se confusa e sem rumo nos primeiros sintomas do Alzheimer(a princípio sem diagnóstico).
Muitos leitores sabem do que relato, pois acompanharam e/ou acompanham esta dinâmica inicial.
E assim deu-se com minha rosadinha o que nos levou à um outro estilo de vida e à ela também.
Particularmente, eu enxergava atitudes curiosas desde antes de meu pai adoecer(08/01/1992), porém leves sem uma constância gritante.
Apareciam e demoravam a reaparecer.
"Como um dos exemplos: estoque de alimentos e meias ao exagero."
Perdia-se na quantidade. Na maioria das vezes o fato foi encarado como precaução e comodidade.
Mas, comodismo não era uma característica de minha mãe.
Residiam no Rio Grande do Sul na época.
Com a doença, somada ao cuidar do marido(com minha ajuda)e após o falecimento de papai, mamis entrou em períodos depressivos que a levaram a um emagrecimento fora do normal.
Muito choro e dá-lhe vitaminas!
Não conseguia superar o luto porque eram muito apegados. Cada qual com sua personalidade e extremamente unidos em tudo o que faziam.
Os médicos tratavam o corpo e esqueciam a cabeça(aquilo que lhe era insuperável).
À princípio deu-se assim, somente muito tempo após é que houve uma tentativa frustrada de encaminhá-la a um terapeuta. Negou-se, óbvio.
Não se podia esperar algo diferente de uma mulher habituada na resolução dos seus próprios conflitos internos.
Mas, ainda, era alegre e cheia de iniciativas(um verdadeiro palco de flutuações emocionais).
Até que, passados dois anos, não conseguia falar no "véio"(apelido carinhoso que se davam)sem chorar aos prantos e revoltar-se pela partida.
Esta revolta transferiu-se para mim quando dizia:
-Pensei que você ficaria no lugar do meu marido!
Eu tentava explicar que era sua filha e que jamais poderia substituí-lo.

"Isto é só um fósforo dentro de uma caixa enorme."

Por outros indicadores que algo estava muito diferente fui em busca do nosso clínico geral sozinha e desta vez para relatar episódios dela no cotidiano.
Episódios incomuns tais como:
-irritar-se com frequência
-gritar em alto e bom som
-ciúmes exagerados(não me deixava conversar com outras pessoas)
-esconder alguns objetos para que não víssemos
-acusar-me de ser uma pessoa ruim para outras

Estes são alguns dos fósforos dentro da caixa enorme que foi se revelando e eu cada vez mais perdida junto à ela.

O antigo Clínico Geral marcou uma consulta com mãe e indicou um neurologista.
Fiz outra narrativa particular com o especialista e o mesmo procedimento anterior com a presença da minha mãe.
Saí do neurologista com um "quase diagnóstico", milhares de exames por fazer e "convencê-la a submeter-se aos exames."
Esta parte foi a mais difícil.
Mamãe não admitia ter algo sério.
Depois de juntar os resultados todos voltei e ouvi a palavra Alzheimer pela primeira vez.
Ele prescreveu um remédio, explicou um dedinho da doença e nada mais.
Creio que o próprio profissional, há tantos anos atrás, nem sabia ao certo as milhares de nuances desta doença.
Quando alcancei a calçada, do lado de fora da clínica, era como se eu estivesse em outro mundo. Simplesmente não sabia como agir.
Não tinha a mínima idéia por onde começar. Não tinha grupos de apoio e desconhecia os mesmos.
Passei então a pesquisar no google sobre isso e na intuição, hoje vejo, que fiz muitas coisas certas. Outras não.
Algumas no tropeço e necessidade.
Troquei de neurologista e senti mais elucidação, mais paciência nas explicações, mais conhecimento.
Foram dias difíceis para toda a minha pequena família, mas gigante em apoio.
Nós amparávamos a mãe, uns aos outros e continuamos assim.
-Quem disse que seria fácil?
Sou "filha única" e aprendi demais a valorizar-me com qualidades e defeitos.
Como gente real-não fictícia e dar-me folgas pequenas, dar-me crédito, resignar-me, chorar, rir, reconhecer-me, reconhecer meus limites, dar amor e amar-me...são conceitos de felicidade particulares.
Depois de anos descobri Comunidades e Pessoas na mesma situação e só agradeço.
Pude ajudar alguns e também me sinto útil por isto.

Entendo este caminho, até por um balanço próprio de 2009, como um destino a ser cumprido, uma depuração.
Que o amor, saúde e paz estejam conosco!
Não desanimem por longos períodos porque hoje temos mais informações
e amparos.

2 comentários:

  1. Lindo sewu blog amiga!
    O que + me tocou foi ler esta frase:
    "Uma filha que transformou-se mãe nesta dependencia gradativa do Alzheimer"
    Lino sermos mãe da propria mãe e saiba que
    para isto já viemos ao mundo preparada, agora é só ajustes e sei bem como trata tua Italianinha.
    bjos no Coração e fiquem sempre com DEUS.

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  2. Há mais de 18 anos Míriam e estamos nos cuidados.Ela é tratada com muito amor e assim será até onde o Pai Maior permitir.
    Fica com Deus!

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