O poeta Décio Pignatari morreu na manhã desse domingo, aos 85
anos, em decorrência de pneumonia aspirativa e insuficiência
respiratória, de acordo com a assessoria de imprensa do Hospital
Universitário da USP (HU). O escritor, que tinha Alzheimer, estava com a
saúde debilitada e, por causa disso, recebia cuidados paliativos.
A preocupação com a palavra sempre moveu o poeta. Nascido em
Jundiaí, em 20 de agosto de 1927, ele foi também semiólogo, ensaísta,
professor e tradutor. Desde os anos 1950, realizava experiências com a
linguagem poética, incorporando recursos visuais e a fragmentação das
palavras. Tais aventuras verbais culminaram no Concretismo, movimento
estético que fundou junto com Augusto e Haroldo de Campos, com quem
editou as revistas Noigandres e Invenção e publicou a Teoria da Poesia
Concreta (1965).
Movimento vanguardista, o Concretismo surgiu em 1953 primeiro na
música, depois na poesia, até chegar às artes plásticas. Em sua
essência, defendia a racionalidade e rejeitava o expressionismo, a
abstração lírica e aleatória. Basta observar as obras surgidas nesse
período - não predominava o intimismo tampouco havia preocupação com o
tema proposto, pois o objetivo era acabar com a distinção entre forma e
conteúdo e, com isso, criar uma nova linguagem. A partir da década de
1960, outros poetas e músicos do movimento decidiram alargar os
horizontes, incluindo temas sociais e criando novas tendências, como o
neoconcretismo, o poema práxis.
Pignatari foi um dos colaboradores do Suplemento Literário,
caderno publicado pela primeira vez pelo Estado em 1956. Em 1969, o
poeta foi um dos fundadores da Associação Internacional de Semiótica
(AIS) e, em 1975, da Associação Brasileira de Semiótica (ABS). "Décio
Pignatari foi um dos artistas mais revolucionários e um dos pensadores
mais incisivos que o Brasil já teve", escreveu, no Twitter, o diretor da
Casa das Rosas, Frederico Barbosa.
Como teórico da comunicação, Pignatari deixou importantes obras,
como a tradução dos textos de Marshall McLuhan. Entre seus escritos,
destaca-se o ensaio Informação, Linguagem e Comunicação, de 1968. Sua
obra poética está reunida em Poesia Pois é Poesia (1977). Pignatari
publicou traduções de Dante, Goethe e Shakespeare, entre outros,
reunidas em Retrato do Amor quando Jovem (1990) e 231 poemas. Publicou
também o volume de contos O Rosto da Memória (1988) e o romance Panteros
(1992), além da obra para o teatro Céu de Lona.
Nos últimos anos, além de se dedicar à literatura infanto-juvenil -
lançou Bili com Limão Verde na Mão (Cosac Naify), em 2010, Pignatari
analisava a transformação da literatura por causa da evolução
tecnológica.
"O fim da literatura está encaixado em um tópico mais abrangente,
que é a crise da arte", disse ele, em entrevista ao Estado, em 2010. "Na
verdade, o fim propriamente não vai nunca acontecer. O que existe,
hoje, é a palavra falada, na forma escrita."
Ele utilizava como exemplo as transformações do verso, que entrou
em crise graças ao francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), que trouxe
para a poesia o radicalismo estrutural e racional de que ela precisava
para se renovar. "Mas nem por isso o verso se extinguiu - apenas sofreu
modificações", comentava Pignatari. "Quando se fala em fim de uma arte,
na verdade, o certo é falar sobre sua transformação acelerada, como uma
metamorfose apressada pela evolução tecnológica."
É o caso da forma de se narrar uma história, que sofreu abalos
profundos com a publicação de Ulysses, de James Joyce, publicada em
1922. "A visão que se tinha do romance entrou em crise", observou o
poeta. "Na verdade, já desde Gustave Flaubert e sua Madame Bovary o
enredo perdeu sua relevância: afinal, não se trata apenas de um
adultério que resulta em um suicídio, mas de uma escrita que se sobrepôs
à trama."
As mudanças são inevitáveis. Pignatari lembrava que, com o
desenvolvimento dos jornais na passagem do século 19 para o 20, a
literatura foi obrigada a se modificar pois a imprensa passou a narrar
histórias incríveis. Também a linguagem literária passou por algumas
mutações, pois os jornais traziam um texto direto, compactado, que
influenciou a narração e a narrativa literárias. "O ato de se contar uma
história entrou em crise, pois a escrita se tornou mais importante",
analisava.
Despedida. Pignatari deixa a mulher, Lilla, e três filhos. O
enterro será realizado hoje, ao meio-dia, no Cemitério do Morumbi, na
Rua Deputado Laércio Corte, 468, em São Paulo.
COLABOROU GIOVANA SCHLUTER