Alzheimer e Debate Médico
Imagine-se
na pele de Barbara Lesher: você tem 54 anos de idade e acha que está
desenvolvendo o Mal de Alzheimer. "Não consigo me lembrar se tomei
banho", diz Barbara, que mora em Harrisburg, no Estado norte-americano
da Pensilvânia. "Levei duas horas pra conseguir preparar uma receita.
Outro dia, peguei o caminho de onde morava na infância ao invés de
voltar pra casa Isto é muito assustador", relata. Um caso famoso é o do
ex-agente da CIA, Mark Felt, o "garganta profunda." Personagem que se
manteve anônimo durante décadas, ele admitiu ter alimentado com
informações os repórteres dos Washington Post no caso Watergate. Mas no
final da vida não se lembrava de nenhum dos episódios. Numa
conferência da Associação Internacional de Alzheimer realizada este mês
em Paris, novos exames e pesquisas deixaram claro que em breve haverá
mais meios disponíveis de identificar a doença. Ao mesmo tempo, essa
percepção desencadeou acalorados debate sobre se é correto ou não
realizar exames em casos suspeitos e contar aos pacientes que eles têm
chance de ter uma doença sem cura, mas ainda não desenvolvida.
E
por que isso seria um problema? Muita gente apresenta placas amiloides
no cérebro. O acúmulo de placas amiloides pode indicar que um dia a
pessoa desenvolverá Alzheimer, mesmo que nenhum sintoma seja perceptível
no momento do exame. As placas amiloides podem ser vistas até mesmo
décadas antes do desenvolvimento da doença e a presença delas não
significa certeza de que o paciente terá Alzheimer. Muitos não vivem o
suficiente para que os sintomas apareçam. Não
existe atualmente nenhuma espécie de tratamento realmente eficaz. Os
medicamentos existentes atenuam os sintomas, mas funcionam apenas em
metade dos pacientes e durante menos de um ano, em média. A maioria dos
especialistas suspeita que o tratamento normalmente começa tarde demais,
mas não existem evidências científicas de que começar mais cedo ou que o
paciente saber do acúmulo de placas amiloides será de alguma ajuda.
Os
especialistas estão divididos. "Precisamos encontrar pacientes ou
sinais da doença nos estágios iniciais", argumenta o doutor Harald
Hampel, da Universidade de Frankfurt, Alemanha. Já o doutor Kenneth
Rockwood, da Universidade Dalhousie em Halifax, Canadá, observa não
haver dados "para demonstrar que saber da doença altera de forma
substancial o resultado". Calcula-se
que mais de 35 milhões em todo mundo padeçam do Mal de Alzheimer, a
forma mais comum de demência. Os Estados Unidos registram mais de 5
milhões de casos. No Brasil, estima-se que mais 1 milhão de pessoas
sofram de Alzheimer. Ainda assim, metade das pessoas que preenchem os
critérios médicos de demência não é diagnosticada com a doença, segundo
estimativas da Associação Internacional de Alzheimer. Além disso, muitas
pessoas que acreditam ter a doença ou a quem é dito que está doente não
são corretamente diagnosticadas.
Mesmo
quando os pesquisadores recorrem aos melhores testes cognitivos para
analisar participantes de testes clínicos, acaba-se descobrindo que
cerca de 10% na realidade não sofrem de Alzheimer, comenta William
Thies, diretor científico da associação. "Os remédios para Alzheimer não
funcionam nessas pessoas. Portanto, não há motivo para deixá-las
expostas a riscos", argumenta Thies, um antigo defensor do diagnóstico
precoce. O
erro de diagnóstico é uma oportunidade perdida de ajuda. Um novo
remédio ou uma combinação de medicamentos pode fazer com que uma pessoa
repentinamente apresente sintomas de demência. Esquecimentos podem
acontecer depois de uma cirurgia e desaparecerem com o tempo. Distúrbios
do sono são comuns em pessoas mais velhas e podem causar profunda
confusão mental, como mostra a pesquisa apresentada na conferência pela
doutora Kristine Yaffe, da Universidade da Califórnia em São Francisco.
"Grande parte disso é tratável" ao se evitar sonecas durante o dia ou
por meio de tratamento para apneia do sono, quando breves interrupções
da respiração podem fazer as pessoas acordarem durante a noite, sugere
Kristine. O ronco é um sinal importante.
Médico americano defende exames
O
doutor R. Scott Turner, diretor do programa de desordens da memória do
Centro Médico da Universidade Georgetown, defende os exames. Ele lembra
que muitos pacientes são simplesmente declarados dementes sem a
realização de nenhum exame para saber se o problema pode ser outro. "Às
vezes é um problema na tireoide, ou depressão, ou deficiência de
vitamina B-12, algo para o qual exista tratamento", comenta ele. Realizar
exames em alguém que apresente sintomas é bem menos controverso do que
examinar pessoas que não apresentam sintoma nenhum, mas temem a doença.
Muitos médicos temem que novos métodos recém-desenvolvidos, como uma
forma mais fácil de escaneamento do cérebro que deve estar disponível
dentro de alguns meses, serão vendidos diretamente para o público, e
isso levará à realização de exames caros e desnecessários por pessoas
que apenas têm medo de estarem doentes. "Às vezes ouvimos falar que o
Alzheimer substituiu o câncer como principal fonte de medo", relata o
doutor Jason Karlawish, estudioso de ética especializando-se em questões
de demência.
As
diretrizes mais recentes do Instituto Nacional do Idoso dos EUA e da
Associação Internacional de Alzheimer recomendam os exames somente em
casos nos quais há suspeitas claras e os testes tenham utilidade e
validade para um diagnóstico preciso. Na conferência, Karlawish afirmou
que não há obrigatoriedade em se revelar, por exemplo, os resultados de
exames capazes de prever risco de Alzheimer enquanto não houver
tratamento eficaz para a doença. Ao
mesmo tempo, a escocesa Lynda Hogg é extremamente grata aos médicos que
a diagnosticaram com Alzheimer em 2006. Num debate às margens da
conferência, ela contou que o diagnóstico precoce a ajudou a colocar as
questões financeiras e jurídicas de sua vida em ordem antes do avanço da
doença. Barbara
Lesher, por sua vez, lamenta a falta de oportunidade de ter um quadro
mais claro do que a espera. "Não ter um diagnóstico conclusivo é a coisa
mais frustrante do mundo."
Fonte: Tribuna do Norte às 00:00h
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