Universo de Memórias

quinta-feira, 20 de março de 2014

Contar ou não Contar?

Alzheimer e Debate Médico



Imagine-se na pele de Barbara Lesher: você tem 54 anos de idade e acha que está desenvolvendo o Mal de Alzheimer. "Não consigo me lembrar se tomei banho", diz Barbara, que mora em Harrisburg, no Estado norte-americano da Pensilvânia. "Levei duas horas pra conseguir preparar uma receita. Outro dia, peguei o caminho de onde morava na infância ao invés de voltar pra casa Isto é muito assustador", relata. Um caso famoso é o do ex-agente da CIA, Mark Felt, o "garganta profunda." Personagem que se manteve anônimo durante décadas, ele admitiu ter alimentado com informações os repórteres dos Washington Post no caso Watergate. Mas no final da vida não se lembrava de nenhum dos episódios. Numa conferência da Associação Internacional de Alzheimer realizada este mês em Paris, novos exames e pesquisas deixaram claro que em breve haverá mais meios disponíveis de identificar a doença. Ao mesmo tempo, essa percepção desencadeou acalorados debate sobre se é correto ou não realizar exames em casos suspeitos e contar aos pacientes que eles têm chance de ter uma doença sem cura, mas ainda não desenvolvida. 

E por que isso seria um problema? Muita gente apresenta placas amiloides no cérebro. O acúmulo de placas amiloides pode indicar que um dia a pessoa desenvolverá Alzheimer, mesmo que nenhum sintoma seja perceptível no momento do exame. As placas amiloides podem ser vistas até mesmo décadas antes do desenvolvimento da doença e a presença delas não significa certeza de que o paciente terá Alzheimer. Muitos não vivem o suficiente para que os sintomas apareçam. Não existe atualmente nenhuma espécie de tratamento realmente eficaz. Os medicamentos existentes atenuam os sintomas, mas funcionam apenas em metade dos pacientes e durante menos de um ano, em média. A maioria dos especialistas suspeita que o tratamento normalmente começa tarde demais, mas não existem evidências científicas de que começar mais cedo ou que o paciente saber do acúmulo de placas amiloides será de alguma ajuda. 

Os especialistas estão divididos. "Precisamos encontrar pacientes ou sinais da doença nos estágios iniciais", argumenta o doutor Harald Hampel, da Universidade de Frankfurt, Alemanha. Já o doutor Kenneth Rockwood, da Universidade Dalhousie em Halifax, Canadá, observa não haver dados "para demonstrar que saber da doença altera de forma substancial o resultado". Calcula-se que mais de 35 milhões em todo mundo padeçam do Mal de Alzheimer, a forma mais comum de demência. Os Estados Unidos registram mais de 5 milhões de casos. No Brasil, estima-se que mais 1 milhão de pessoas sofram de Alzheimer. Ainda assim, metade das pessoas que preenchem os critérios médicos de demência não é diagnosticada com a doença, segundo estimativas da Associação Internacional de Alzheimer. Além disso, muitas pessoas que acreditam ter a doença ou a quem é dito que está doente não são corretamente diagnosticadas. 

Mesmo quando os pesquisadores recorrem aos melhores testes cognitivos para analisar participantes de testes clínicos, acaba-se descobrindo que cerca de 10% na realidade não sofrem de Alzheimer, comenta William Thies, diretor científico da associação. "Os remédios para Alzheimer não funcionam nessas pessoas. Portanto, não há motivo para deixá-las expostas a riscos", argumenta Thies, um antigo defensor do diagnóstico precoce. O erro de diagnóstico é uma oportunidade perdida de ajuda. Um novo remédio ou uma combinação de medicamentos pode fazer com que uma pessoa repentinamente apresente sintomas de demência. Esquecimentos podem acontecer depois de uma cirurgia e desaparecerem com o tempo. Distúrbios do sono são comuns em pessoas mais velhas e podem causar profunda confusão mental, como mostra a pesquisa apresentada na conferência pela doutora Kristine Yaffe, da Universidade da Califórnia em São Francisco. "Grande parte disso é tratável" ao se evitar sonecas durante o dia ou por meio de tratamento para apneia do sono, quando breves interrupções da respiração podem fazer as pessoas acordarem durante a noite, sugere Kristine. O ronco é um sinal importante.

Médico americano defende exames 
O doutor R. Scott Turner, diretor do programa de desordens da memória do Centro Médico da Universidade Georgetown, defende os exames. Ele lembra que muitos pacientes são simplesmente declarados dementes sem a realização de nenhum exame para saber se o problema pode ser outro. "Às vezes é um problema na tireoide, ou depressão, ou deficiência de vitamina B-12, algo para o qual exista tratamento", comenta ele. Realizar exames em alguém que apresente sintomas é bem menos controverso do que examinar pessoas que não apresentam sintoma nenhum, mas temem a doença. Muitos médicos temem que novos métodos recém-desenvolvidos, como uma forma mais fácil de escaneamento do cérebro que deve estar disponível dentro de alguns meses, serão vendidos diretamente para o público, e isso levará à realização de exames caros e desnecessários por pessoas que apenas têm medo de estarem doentes. "Às vezes ouvimos falar que o Alzheimer substituiu o câncer como principal fonte de medo", relata o doutor Jason Karlawish, estudioso de ética especializando-se em questões de demência. 


As diretrizes mais recentes do Instituto Nacional do Idoso dos EUA e da Associação Internacional de Alzheimer recomendam os exames somente em casos nos quais há suspeitas claras e os testes tenham utilidade e validade para um diagnóstico preciso. Na conferência, Karlawish afirmou que não há obrigatoriedade em se revelar, por exemplo, os resultados de exames capazes de prever risco de Alzheimer enquanto não houver tratamento eficaz para a doença. Ao mesmo tempo, a escocesa Lynda Hogg é extremamente grata aos médicos que a diagnosticaram com Alzheimer em 2006. Num debate às margens da conferência, ela contou que o diagnóstico precoce a ajudou a colocar as questões financeiras e jurídicas de sua vida em ordem antes do avanço da doença. Barbara Lesher, por sua vez, lamenta a falta de oportunidade de ter um quadro mais claro do que a espera. "Não ter um diagnóstico conclusivo é a coisa mais frustrante do mundo." 

Fonte: Tribuna do Norte às 00:00h

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